quinta-feira, 14 de julho de 2011

A missão "Tiriós".

Tiriós era (ou ainda é?) uma missão bem ao norte do Pará. Eu gostava muito dos seus pernoites. Bem ao lado da pista de pouso ficava a sede do nosso Destacamento de Proteção ao Vôo. A missão mesmo ficava do outro lado de um pequeno Igarapé, um pequeno riacho, que fora represado, para construção de uma pequeníssima hidroelétrica. Os alemães gostam muito de cerveja, e eu costumava lhes presentear com grades de “Cerpinha”, a deliciosa cerveja dos paraenses. Frei Angélicus era um; o outro, já me esqueci o nome; um era já bem velhinho. Enquanto eles me serviam de um bom conhaque alemão, guardados para as grandes ocasiões..., eles tomavam cervejas... E ficávamos conversando quase a noite inteira, ora sobre estrelas, incontáveis naquele céu de um azul da cor do mar, sem nenhuma poluição (eu gosto muito de estudos sobre astronomia, não sobre astrologia, que é um subproduto...), ora sobre o grande Deus católico deles (eu começava a duvidar de muitas coisas, inclusive de outra vida após a morte...). Um deles trabalhava com ferro forjado, numa pequena usina que eles fizeram para consertos de suas pequenas, mas grandes necessidades, naqueles distantes rincões, onde não podiam contar com quase nada, a não ser com a ajuda da nossa Força Aérea. De dois em dois anos eles iam à Frankfurt, visitar os parentes e fazer uma revisão médica na "estrutura", bastante abalada pela malária e outras febres comuns na região. Durante aquelas amistosas conversas, eu lhes perguntava que força estranha era aquela que os afastava da Alemanha, da civilização, do primeiro mundo, para viver ali, junto àqueles índios, sem o menor conforto (eles viviam ali há mais de quarenta anos), mais até do que eu já havia vivido, e por isso mais brasileiros que eu, eles diziam rindo. Mas nem eles sabiam mesmo o porquê dessa dedicação aos índios, e à sua missão. (muitos achavam que eles eram espiões...). Certa vez, a FAB transportou uma turma de professores e alunos, se não me engano da USP ou UNICAMP, para fazerem um estudo, uma pesquisa sobre aqueles índios, e que tipo de atividades exerciam aqueles missionários. Depois de uns quinze dias de poucos estudos e muita “espionagem”; de muitas perguntas enganosas aos índios, e aos nossos militares ali destacados, eles voltaram para suas universidades, julgando-se “doutores” sobre os índios e conclusões apressadas sobre os missionários. Fizeram um relatório, uma espécie de monografia bem maliciosa sobre suas atividades naquela missão:- - Ora, Major Maciel, me diziam eles, com aquele puxado sotaque alemão, nós estamos aqui há mais de quarenta anos, e ainda não conseguimos entender nada sobre o comportamento desses índios; verdadeiramente nada sobre eles, e esses meninos chegam aqui e saem julgando-se os maiorais, e o que é pior, terminaram o relatório "metendo o pau na gente...", me diziam eles, um pouco, ou muito revoltados.
Certa vez, um tenente-aviador recém transferido para o 1 ETA (era paulista), deixou de transportar para Belém um baú cheio de missangas e artesanatos feitos pelos índios, que seriam enviados para os diretores de grandes empresas alemães, pois essas coisas, esses pequenas, mas verdadeiras artes feitas pelos índios, faziam muito sucesso na Alemanha, e em troca recebiam tratores, ferramentas, até uma pequena hidroelétrica eles haviam recebido em troca dessas pequenas lembranças e que abastecia de energia elétrica a missão...
Além de não levarem as missangas, o Tenente ainda nos humilhou na hora do embarque, dizendo que nós estávamos explorando os índios...
Chegando a Belém, conversei com o Brigadeiro Árison sobre o caso, que determinou ao Coronel Ulisses, que era o Chefe do Estado-Maior, para que ele fizesse “um pequeno sermão” ao Tenente, mostrando a ele quem eram realmente aqueles velhos missionários, e qual o espírito que envolvia o trinômio FAB/ MISSIONÁRIO / INDIO, que vigorava naqueles bons tempos...
Ao me despedir dos velhos missionários, já na porta do avião, eu lhes disse: --"Não nos levem à mal, meus amigos; somos anjos ou demônios; depende da visão de cada um...

Coronel Maciel.

2 comentários:

Osvaldo disse...

Coronel,desculpa incomodar, mas gostaria de saber algumas curiosidades a respeito de Tiriós.A vegetação onde esta a Base Aérea é toda rasteira,seria possível andar com um veículo motorizado num raio de 10km ao redor da Base, mais precisamente em direção a fronteira com o Suriname.Mas uma vez peço desculpa por incomodar, desde já agradeço e aguardo resposta. Obrigado.

Coronel Maciel. disse...

Nem sei se ainda há Destacamento da FAB em Tiriós. Acredito que com um desses modernos “Jipões” que andam circulando pelas ruas aqui de Natal, daria para se rodar uns bons quilômetros ao redor, pelas trilhas dos índios, na direção do Suriname. O problema seria levar o “Jipão” até Tirios; acho que só de avião. Para informações mais atualizadas, sugiro consultar o Primeiro Comando Aéreo Regional, em Belém. Grande abraço.