quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Sufoco a bordo do meu corajoso Dakota C-47!

Apesar de ter feito as maiores leãozadas durante minha carreira de “Oficial Aviador”, aliás, modéstia à parte, muito mais Aviador que Oficial -- nunca, nem de leve, arranhei nenhuma das muitas e variadas e belas garças que tive o prazer de voar. Sorte delas. Graças a Deus nunca pousei sem trem, pois sempre achei que pousar sem trem é pior que perder pênalti! Esse caso do avião da “Chapecó”, p’ra mim, estou dizendo “p’ra mim, foi tudo culpa do piloto. Arriscou demais! Abusou demais da sorte. Nos meus velhos tempos, sempre colocava uns Galões a mais nos tanques, pensando nos meus, que ficaram em casa me esperando. Todo piloto tem suas histórias p’ra contar. Uma vez decolei de Carauari para Eirunepê, lá no Rio Juruá. Estávamos em condições de “voo por instrumento”, debaixo de chuvas e relâmpagos. Tudo ia bem, e já havíamos percorrido metade do caminho quando de repente sentimos fortíssima trepidação no motor esquerdo. Pá-pum-pum-pá, pum, um barulhão tremendo.  Acabara de desprender-se a cabeça de um dos enormes cilindros do motor, levando consigo parte da carenagem. E fogo, muito fogo no motor. Rapidamente executamos os procedimentos de emergência previstos, e só depois de muito custo conseguimos colocar a “bolinha no centro”, conseguindo assim estabilizar um pouco o avião, usando o regime “máximo contínuo” no outro e único motor bom. Como sempre acontece nessas tristes ocasiões, houve pânico a bordo e alguns passageiros, quase todos, correram para a parte traseira do avião, pois e lá que eles acham ser é o melhor lugar para se salvar.  
As distâncias entre as cidades na Amazônia são grandes, como grande e sinuoso é o majestoso Rio Juruá. Eu, temeroso que o motor bom não aguentasse tanto esforço, durante tanto tempo, decidi ficar sempre sobrevoando o rio, que é muito, muito sinuoso, para executar uma possível amerissagem, pois são enormes as árvores naquela região e sobre as águas havia alguma chance de sobrevivência.  Bom; agora vem a parte mais “engraçada’ e pitoresca do caso: o meu copiloto, coitado, era um segundo tenente da reserva bem novinho, e que, --pálido de espanto como nos versos do Olavo Bilac -- desmaiou, ao sentir o abraço da “bruxa” se aproximando. E desmaiou, dizendo que íamos morrer. Só ficamos eu e o mecânico para me ajudar. Quando o tenente gritou que íamos morrer, o nosso bom sargento apressou-se em abrir sua maletinha, e beber o maior gole de sua caninha preferida e sua eterna companheira.  Quando senti aquele bafo de cano na cabine, olhei-o com aquele ar de censura, quando então ele disse -- agora alegre, sem medo e bem-disposto: --Major Maciel, já que a gente vai morrer, né, e deu uma boa e estrondosa gargalhada, cheia de medo e de esperança. Tive que rir também, e juro a vocês que também senti vontade de tomar uma boa talagada. Mas a ocasião não era nada propícia. Voamos muito tempo monomotor, e como não podíamos abandonar o leito do rio, para o caso de um pouso de emergência, aquilo que seria um tempo estimado 40 minutos para chegarmos em Eirunepê, acabou se transformando numa “eternidade” de duas horas, voando a cem milhas por hora, num regime de máximo contínuo no único motor bom, sempre sentindo aquele gostoso cheirinho de cana a bordo.
Chegamos em Eirunepê bem na hora do lusco-fusco, sob os olhares da multidão que nos aguardava ansiosa no pequenino “aeroporto” da cidade, verdadeira pérola do Juruá. E o mais engraçado de tudo é que fui carregado pela multidão de passageiros, como um verdadeiro herói nacional. À noite, o prefeito nos ofereceu suculenta “tartarugada” e fez até um discurso em minha homenagem, pois sua   família inteira estava a bordo. Foi quando eu chamei o nosso mecânico para um particular e “ordenei-lhe” que, agora sim! -- me servisse um copo cheio da sua santa, gloriosa e salvadora caninha.  kkkkkk.

Coronel Maciel.

Nenhum comentário: